quinta-feira, 20 de maio de 2010

PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL DO JUDICIÁRIO


Nos dias 14 e 15 de maio de 2010, participei em Salvador do seminário de participação popular e controle social do judiciário na Faculdade de Direito da UFBA – Universidade Federal de Bahia. Este seminário foi uma iniciativa da APP – Articulação de Políticas Públicas da Bahia, que engloba diversas entidades não governamentais como: a Cáritas, o CIMI, FASE, CPT e tantas outras. Diante da constatação que todas as lutas populares no Estado esbarram diante do judiciário, que atrasa todos os processos ou simplesmente esquecem numa gaveta, vimos a urgência em fazermos o enfrentamento direto com o judiciário, que é extremante hierárquico, elitista e injusto.
Neste seminário contamos com a presença e o apoio de Dra. Cleide Ramos- Promotora Pública; Dr. Maurício Brasil – Ass. de Juízes para a Democracia; Dra. Marília Lomanto – Promotora; Luiz Jorge Moreno – Juiz do Maranhão e a Caravana da Cidadania do Piauí, na pessoa do advogado Arimatéia. Estavam presentes além das entidades membros da APP os índios Tupinambás, os Pataxós Hã Hã Hãe, comunidades quilombolas, o movimento CETA, os atingidos por barragens, Associação de Pescadores, Associação de Fundo de Pasto e tantas outras comunidades que sofrem com o descaso do judiciário em relação às suas lutas e necessidades.
Foram citadas várias situações: juízes e a polícia federal que se aliam aos fazendeiros para agredir, coagir e obrigar índios e quilombolas a deixar suas terras mesmo com toda a documentação regularizada; juízes latifundiários; trabalhadores que são mortos e juízes que nem ao menos aceitam a denúncia; trabalhadores presos arbitrariamente; agressão e prisão do Cacique Babau 02h00 sem mandato de prisão e sua transferência para uma penitenciária de segurança máxima sem nenhuma justificativa. Estes foram alguns casos que nortearam nosso debate.
O Juiz Jorge Moreno, nos ajudou em primeiro lugar a superar algumas idéias sobre o judiciário como: a morosidade, o judiciário não é moroso, é seletivo, quando se trata de defender os interesses da elite os juízes e mesmo o ministério público age muito rápido, sendo lento apenas no que interessa ao povo; excesso de trabalho, juízes não trabalha muito, atende apenas 12% da população, o acúmulo de processo é apenas uma estratégia para justificar sua falta de atenção para as classes populares e enfraquecer suas motivações; todos tem acesso a justiça, no Brasil e, sobretudo no nordeste só tem acesso a justiça quem pode pagar. A justiça exclui também pela linguagem, feita para não ser entendida por todos. Segundo o juiz o judiciário é antidemocrático dentro de uma democracia, sendo apenas um instrumento que serve as elites, e democracia é povo no comando. O Brasil é a única democracia em que o povo incomoda. É preciso exercer o controle social de modo que os juízes e promotores percebam que estão sendo fiscalizados, expondo-os ao constrangimento diante da sociedade.
Segundo a promotora Marília é impossível a sociedade exercer o controle do judiciário porque são um grupo que se coloca acima do bem e do mal, acima da lei. O estado penal era pra ser o estado providencial e se tornou o estado penitencial. É a policia que seleciona as pessoas que vai colocar no sistema criminal independente de ser um criminoso ou não, o Ministério Público tem o papel de legitimar a prisão.
O juiz Jorge Moreno indicou algumas formas pra sociedade exercer o controle social:
• Solicitar do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a relação de juízes e suas comarcas;
• Descobrir se eles são latifundiários (mandar ofício para o INCRA);
• Solicitar às ações que tramitam na justiça da Bahia discriminadas por vara e comarca;
• Descobrir como estão organizados os plantões dos juízes nos finais de semana;
• Que o juiz informe sua residência na comarca;
• Divulgação maciça das informações levantadas e das injustiças, sobretudo nos espaços comunitários;
• Provocar tensão para forçar o posicionamento do juiz e dos promotores;
• Visitar os locais de violação dos direitos. Deixar a comunidade falar, valorizar o canto, as orações...;
• Fazer o enfretamento direto: vigília cívica, jornadas, mutirão;
• Promover curso de capacitação, oficinas nas comunidades, cartilhas, júri popular;
• Criar o observatório da cidadania.
Todos os juízes e promotores presentes são muito perseguidos estão respondendo a diversos processos por exercer a justiça e muitas vezes dar ganho de causa ao povo. O juiz Jorge Moreno está respondendo a 35 processos, um deles por chamar o povo de companheiros e ao final foi aposentado sem ao menos ser informado, ele é jovem e quer trabalhar, por isso está recorrendo.
O seminário foi um momento riquíssimo de muito aprendizado, de troca de experiências, de expressão cultural (fiquei maravilhada com as apresentações dos indígenas, do grupo de teatro, a capoeira), mas, sobretudo de renovar o desejo de lutar pela justiça, pela democracia sem medo de morrer, como dizia Jorge Moreno: “só tenho medo dos castigos de Deus”.
No final do seminário foi redigida uma Representação e encaminhada ao CNJ denunciando os casos mais urgentes acima mencionados, e exigindo uma resposta dentro dos prazos da lei, bem como a ausência do Ministério Público sem informar o motivo.
Já iniciamos o controle do judiciário.

Ir. Suelí de Santana
CPT Ruy Barbosa,
19/05/10


Um comentário:

  1. Parabéns Sueli pela fidelidade no relato da riquissima experiência que tivemos a oportunidade de vivenciarmos neste seminário, são estes momentos que alimentam o nosso espirito e fazem com que percebamos estar lutando por um ideal superior aos problemas que encontramos, e exemplos como o do Juiz Jorge Moreno, do Arimatéia, a determinação dos irmãos Indígenas e a convicação do seu "Sumido" que nos anima na continuidade da jornada em busca do Reino Definitivo.

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